Da série "o que interessa discutir sobre o Pingo Doce e, já agora, sobre o Continente"
O fascista do 560
A minha mulher diz que eu sou o fascista da fruta. E não há como negar a coisa: tenho fúrias hortícolas que me colocam na vanguarda neofascista. Mas estou certo de que a economia portuguesa melhoraria bastante caso mais portugueses aderissem a esta versão frutada do fascismo. E explico porquê. De bota cardada, entro nos supermercados do eng. Belmiro e do dr. Soares dos Santos e, logo à entrada, exijo uma salada-de-fruta nacional. Sou mesmo de extrema-direita no que diz respeito à minha frutinha. Olho para uma banca de fruta estrangeira da mesma forma que Le Pen olha para uma fila de magrebinos. Prefiro apanhar escorbuto a comer mirtilos ou kiwis que chegam aqui em porões onde várias gerações de marinheiros apanharam sífilis. Eu quero o nosso mirtilo, o nosso kiwi, a nossa maçã, o nosso morango. E fico muito irritado quando o eng. Belmiro e o dr. Soares dos Santos só apresentam fruta com diversos jet lag no sabor.
Depois de ultrapassar a banca da fruta, o meu ímpeto fascista continua no resto do supermercado. Eu não sou apenas o fascista do mirtilo. Sou o fascista das bolachas, do peixe, da carne, da esfregona, do detergente. Quando pego num produto, procuro de imediato o código de barras português (560xxxxxx). E este hábito até já originou algumas discussões caricatas com a minha mulher. Ela tem o estranho hábito de comprar marcas brancas. Problema? A presença do 560 não garante a portugalidade da coisa, logo, substituo o produto de origem incerta por um produto de marca portuguesa. Tendo em conta a violência que coloco neste contra-ataque, estou certo que as meninas do supermercado desconfiam da existência de violência doméstica cá por casa. Todo o fascista é violento, não é verdade?
Pronto, saí do armário. Sou mesmo fascista. Sou o fascista do 560. Sou o Mussolini da banana madeirense. Sou o falangista do leite nortenho. E se existissem mais falangistas de supermercado como eu, estou certo de que o eng. Belmiro e o dr. Soares dos Santos teriam menos espaço para impor o peso do seu monopólio de distribuição aos nossos produtores. Por outras palavras, o meu fascismo seria meio caminho andado para limitarmos o poder do Continente e do Pingo Doce, duas entidades que têm demasiada influência sobre a nossa economia e sobre os portugueses em geral. Um bocadinho de fascismo na nossa frutinha & afins diminuiria os lucros de Pingo Doce e Continente, mas faria milagres ao nosso PIB. Um país não pode ser apenas um conjunto de consumidores. Uvas com jet lag? Não, obrigado.
crónica de 25 de Fevereiro