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Um congressista não pára dizer "Viva a República!".
O PS está reduzido à retórica que Manuel Alegre usou na campanha presidencial ("ai, que eles são maus e vão dar cabo do Estado Social"). Isto já seria mau per se, mas torna-se quase caricato quando percebemos que este momento histórico é marcado pela "europeização" (i.e., liberalização) de Portugal através da pressão da UE. O PS fala como o BE, mas só pode governar como Blair. Por mim, acho ótimo.
Não há uma única voz crítica. Uma única. Até faz impressão. E, agora, meteram um filme com uma música tão pindérica, que apetece dizer que isto é um comício norte-coreano em versão pimba.
1). Minha gente, o PS chegou ontem ao poder. O PS não domina os destinos de Portugal desde 1995. É a grande conclusão a retirar deste congresso. Como é que se consegue fazer um denial assim tão bom? É que me dava jeito para certos aspectos da minha vidinha.
2). O PS é um partido sem narrativa. Este devia ser o congresso do "gladiador" contra o FMI, contra a invasão estrangeira. Mas o José "Spartacus" Sócrates ficou sem esta última narrativa. Resta-lhe diabolizar o PSD e o tal "neoliberalismo" (repare-se: flexibilizar as leis laborais, tal como fez Helena André, era neoliberalismo no último verão; agora já é esquerda moderna).
3). Estes congressistas não ouviram o discurso de Teixeira dos Santos do dia 23 de Março. E explico. Durante os últimos 15/20 anos, a governação foi assim: pedimos dinheiro emprestado aos "mercados" para financiar o "Estado Social". Este é, aliás, um dos segredos sem segredo da política portuguesa: o santo Estado Social é financiado pelo malvado mercado dos especuladores. Ora, com o fim do dinheiro fácil, com o fim do crédito fácil (o efeito da tal crise financeira de 2008), esta governação acabou. Ou seja, acabou o centro-esquerda tal como o conhecemos.
Foi isso que Teixeira dos Santos admitiu - finalmente - no discurso do PEC IV. Ele disse "acabou a era do dinheiro fácil, e a governação tem de se adaptar a isso". Este congresso está a passar completamente ao lado disto.
Estou aqui desde ontem. Até parece que PS não está no poder há seis anos. Até parece que os socialistas não governaram 83% dos últimos 16 anos. Parece que chegaram agora de Marte ou assim.
Coluna de hoje do Expresso online:
Uma epígrafe raposiana, que é por causa das tosses:
"O PS não falou completamente verdade sobre a gravidade da situação económica", Ana Gomes
Antes da descrição do primeiro dia do congresso da negação, uma nota prévia: quando comecei a escrever no Expresso, em 2008, falar em "atacar a rigidez laboral" era um tabu completo. Em 2011, o centro-esquerda faz do ataque à rigidez laboral uma das suas bandeiras eleitorais. Ai, estou que nem posso.
I. Aqui em Matosinhos, o Presidente da Câmara Municipal diz que "há um mundo novo criado pelo PS". Eu pensava que os socialistas-que-respeitam-a-democracia-burguesa já tinham perdido a retórica sobre novos mundos. Mas, por outro lado, tenho de dar razão ao presidente anfitrião: o PS criou mesmo um Portugal novo: o Portugal que se enterrou no mundo da dívida externa bruta e da dívida pública (repare-se: José Sócrates continua a não falar do endividamento; fala apenas da "crise das dívidas soberanas da Europa" - uma forma de diluir a sua má governação na grande crise mundial, uma forma de esconder um facto: em 2005, a dívida pública portuguesa era de 90 mil milhões, e hoje está na casa dos 160 mil milhões. Factos, amigos. Factos).
II. A malta aqui diz que "no PS não há medo de falar". Mas, então, se não há medo, por que razão estão sempre a falar disso?
III. Renato Sampaio, o Eça de Queirós do PS, fez um discurso sem erros ortográficos. Uma evolução notável.
IV. Num discurso cubano (no tempo e na ideologia), Almeida Santos disse umas 45 vezes a palavra "neoliberal". Não sei se falou em "neoliberais com batata frita", mas andou lá perto. Aparentemente, os "neoliberais", essa tribo invisível e omnipresente, são os responsáveis por todo o mal do mundo. Os comunistas não esquecem. Os socialistas não aprendem, e não admitem os erros da sua forma de ver a globalização . Em anexo, ficámos a saber que, nas próximas eleições, há uma escolha a fazer: entre o "Estado de Direito com preocupações sociais" (os bons) e um "Estado devoto da religião e de Adam Smith" (os maus). Portanto, além de maus e beatos, os "neoliberais" (supostamente uma hipotética AD) também não acreditam no Estado de Direito. Este discurso de Almeida Santos dava um tratado sobre a arrogância desta esquerda aristocrática.
VI. Sobre José Sócrates? Meus amigos, já não posso com a música do "Gladiador", o hino pessoal (pessoal, pessoal, pessoal) de José Sócrates. Adquiri uma alergia auditiva. E, atenção, este hino pessoal é a metáfora de um homem que secou um partido. A encenação em redor de Sócrates é uma bolha separada de tudo, mesmo do seu próprio partido.
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