Morreu em 2003. Apareceu agora
Crónica de 30 de Dezembro: E os Velhos?
"Idosos morrem de frio"; "um em cada quatro idosos foi vítima de violência"; "idosos abandonados passam Natal no hospital"; "idosos abandonados nas férias", etc. Sem grande esforço, fui encontrando estas notícias ao longo do ano. E, meus caros amigos, o molhinho que fiz com estes recortes é o retrato perfeito de Portugal em 2010. Como já aqui escrevi, não me envergonho por estarmos na bancarrota. A alma de um país não está no seu bolso, esteja o dito cheio de moedas ou de cotão. Mas já me envergonho por viver num país que trata os velhos como caniches-descartáveis-na-época-de-férias. Para ir fazer a sua mijinha turística a Cuba, uma pequena multidão de tugas abandona os seus velhos nos hospitais. Depois, no regresso, algumas destas pessoas nem sequer vão buscar os idosos. Não por acaso, "duzentos idosos são abandonados por ano num só hospital de Lisboa". Num só hospital de Lisboa, meus amigos. Um só. Portanto, se querem perder o respeito por muitos dos vossos compatriotas, tentem apurar o número total de velhos abandonados em todo o país.
Mas sabem o que é ainda pior? O regime adora justificar este comportamento: "Ai, então, as pessoas fazem isto porque são pobres, coitadinhas". Este argumentário dá-me uns certos calores epistémicos. Quem defende esta barbaridade nunca foi pobre, nunca conheceu um pobre, e deve achar que os pobres não passam de variações, mais ou menos desdentadas, de algumas personagens neorrealistas que veem na TV. Pior: este argumentário parte do fantástico pressuposto de que 'pobreza' é o mesmo que 'falta de carácter'. É como se um indivíduo pobre fosse - necessariamente - um pulha em potência. É como se a pobreza fosse algo que retira a dignidade às pessoas. Não, meus amigos, a pobreza e a riqueza não são categorias éticas, nem determinam as escolhas morais. Um pulha é um pulha, more ele na Quinta do Lago ou em Loures, ande ele de Jaguar ou de Famel-Zundapp. E uma sociedade civilizada não pode desculpabilizar um indivíduo que abandona o seu pai num hospital. Aliás, uma pessoa que abandona o pai desta forma só deve receber uma coisa da comunidade onde vive: a visita de um procurador.
Meus caros amigos, durante o réveillon 2009/2010, nove velhos morreram abandonados em Lisboa. Quantos morrerão amanhã? Se quiserem apostar neste macabro totoloto, não se esqueçam que o suicídio é a única questão filosófica realmente importante, sobretudo para quem foi abandonado pelos próprios filhos.