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Clube das Repúblicas Mortas

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21
Jan11

O couraçado de Alegre

Henrique Raposo

 

Crónica de sábado passado:

 

 

Manuel Alegre não compreende o mundo e a Europa de 2011. Alegre está parado no tempo. O nosso bardo pensa e fala como Bernardino Machado, o pavão bigodudo da I República. Aliás, o nacionalismo bacoco de Alegre só me faz lembrar aquela fanfarronice republicana e nacionalista de 1890, esse Kilimanjaro do irrealismo português. Levado ao colo pelas franjas radicais da nossa esquerda, Manuel Alegre está mesmo a atravessar o segundo mapa cor de rosa.

Como se lembram, no final do século XIX, Portugal queria ocupar meia África. Queria, mas não podia. Seguindo uma velha tradição portuguesa, Lisboa ostentava ambições inglesas, mas tinha meios marroquinos. Ora, através do ultimato, os ingleses colocaram a portugalidade perante a parede do realismo. Mas, alto aí, a portugalidade não se deixou ficar e respondeu com os mísseis balísticos do irrealismo: contra a armada inglesa, a arraia-miúda lançou manifestações e uma marcha ('contra os bretões, marchar, marchar'); contra o exército inglês, a gente distinta disparou indignação e histerismo; as senhoras e cavalheiros devolveram condecorações oferecidas pelos ingleses. Como podem calcular, Londres torceu-se com dores perante tamanha demonstração de força. E, atenção, a garra lusa não se ficou por aqui. Várias individualidades chegaram a organizar uma vaquinha destinada a juntar o dinheiro necessário para que Portugal comprasse um couraçado. Com esse couraçado em segunda mão, estes magriços náuticos queriam destruir a força mais poderosa da terra, a Royal Navy.

Manuel Alegre é o fiel representante desta loucura nacionalista, desta alergia aos factos e à racionalidade. Toda a estratégia deste candidato passa pela recriação de um novo ultimato que ameaça o novo mapa cor de rosa, as tais conquistas de abril. Nesta louca narrativa, Portugal não pediu dinheiro emprestado de forma irresponsável. Não, não. Nesta fábula que mistura o reacionarismo de direita (o culto de uma nação em abstrato) com o reaccionarismo de esquerda (a recusa de qualquer mudança neste statu quo), Portugal não recorreu aos mercados para cobrir a diferença entre a riqueza produzida e a riqueza consumida. Nada disso. Nesta recriação de 1890, Portugal está a ser vilmente atacado pelo FMI, pelos mercados e pela Alemanha, essa coisa chata e eficiente que substituiu a Inglaterra no papel de má da fita. Com este 'contra os alemães, marchar, marchar', Alegre evita assim o confronto com a realidade. Para quê assumir que os portugueses vivem acima das suas possibilidades, quando se pode dizer que Portugal está a ser vítima de uma conspiração especulativa? Para quê fazer um discurso realista, quando se pode fazer uma vaquinha eleitoral para pedir aos portugueses um couraçado destinado a destruir os pérfidos u-boats alemães?

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