Se o FMI não existisse, teríamos de o inventar. Já pensaram no jeito que esse velho fantasma nos faz? Sem ele, nunca teríamos tido a vitória desta quarta-feira, a maior desde Aljubarrota. É verdade que logo apareceram desmancha-prazeres a explicar que o FMI, em Portugal, nunca seria mais do que o sócio menor de um resgate europeu. No meio do fogo de artifício, ninguém quis saber. Tal como ninguém quis saber que este “sucesso”, a juros insuportáveis, só foi possível graças à assistência do BCE. Ou que o caminho actual, conforme avisou Teodora Cardoso, pressupõe uma austeridade que, sem o FMI, poderá ser cada vez maior.
Nada disso importa. O que importa é determinar quem ficou “triste” na quarta-feira. O governo promoveu o necessário inquérito. Os resultados, anunciados logo na véspera pelo ministro da Defesa, desfizeram as dúvidas: é a “direita” quem “saliva” pelo FMI. Ah, a “direita”. Já não lhe bastava ter as costas largas, agora também tem de ter as glândulas hiperactivas. Segundo a tese oficial, a malvada quer abrir a porta ao FMI para cometer aquilo a que nunca se atreveria sem essa cobertura.
Com o devido respeito pelo nosso Pavlov governamental, parece-me que o FMI não estimula só a direita. Perante o FMI, se a direita saliva, a esquerda baba-se. Sim, em Portugal, é a esquerda quem mais precisa dessa assombração. Não para justificar o que se propõe fazer, mas para se desculpar do que não conseguiu fazer depois de 15 anos de domínio do governo e da legislatura. Sob o império da esquerda, o país passou a divergir do resto da Europa e ficou à mercê dos “mercados financeiros”. Para as esquerdas, porém, tudo estaria bem, não fosse o FMI e o que ele é suposto representar. O envelhecimento da população, os défices orçamentais, o desequilíbrio das contas externas, a anemia económica e o endividamento, que fazem os credores internacionais desconfiar da nossa capacidade de pagar o que lhes pedimos – não são factos, mas apenas boatos “economicistas”. O verdadeiro problema do país é só um: a conspiração “neo-liberal” encabeçada pelo FMI.
Não vale a pena explicar o que é ou o que faz o FMI. É a sigla dos maus: banqueiros, leitores de Hayek, etc., englobados numa mesma entidade convenientemente estrangeira. Para os líderes das esquerdas portuguesas, o FMI funciona como o equivalente do “bloqueio imperialista” que a ditadura comunista de Cuba invoca para justificar a miséria a que reduziu os seus súbditos. Sem esse espectro, cairiam em crise existencial. Porque é a crença de que todo o mal do mundo deriva do que chamam FMI que os poupa a qualquer reflexão sobre o fracasso da sua governação para aumentar o potencial de crescimento da economia ou para viabilizar, sem cortes, este Estado dito “social”. E se lhes acontecer serem um dia aliviados do poder, ainda hão-de citar o FMI para tentar cair como vítimas de “pressão externa”. Nem todos, é verdade, vivem nesta santa simplicidade. Mas parece demasiadas vezes que por cada João Cravinho, consciente da realidade, há dez almas para quem tudo é uma questão de saliva.
Publicado em Expresso, 15 de Janeiro de 2011.