Coluna de hoje do Expresso online:
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Ou seja, Rentes não escreve com aquela prosa pedante e nevoenta dos Vergílios Ferreiras. Sobre o romance "A Amante Holandesa" (Quetzal), Bruno Vieira Amaral, no i, já disse tudo . Gostaria apenas de acrescentar que estamos na presença de um romance raríssimo na nossa literatura, porque, oh! heresia, tem um plot, um enredo bem montado, porque não tem medo de contar uma estória ao mesmo tempo que traça um fresco social (entre a Bragança das mães e meninas e uma aldeia onde existe aquela violência que apenas o "Correio da Manhã" apanha).
II. No diário "Tempo Contado" (Quetzal), Rentes de Carvalho confessa a admiração por um romance de João Ubaldo Ribeiro: "Sargento Getúlio" (Edições Nelson de Matos), esse fabuloso retrato do sertão brasileiro feito através de um vertiginoso monólogo. Nesse livro, Ubaldo capta o vocabulário das gentes locais, e o dito monólogo é feito com esse vocabulário popular e até com os erros ortográficos e gramaticais. Rentes não tem esta ambição quase etnográfica de Ubaldo, mas também recupera um português antigo, um português telúrico que estava esquecido. Para a geração educada na americanização da linguagem (andar à porrada é bullying; trabalhar bem é networking), o português de Rentes é quase uma nova linguagem: "monturo", "vou-me a passear pela alameda", "pertinácia", "felizmente chegamos sem empeno", "amesendamos num restaurante", "dia cinzento como o de ontem, mas morrinha em vez de nevoeiro", "no quarto de banho ponho-lhe um esparadrapo","manhã gris, ventosa e tristonha" (itálicos meus).
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Ouvir Sibelius enquanto se escreve sobre um brasileiro.
"Homem carinhoso, atento, personificação da bondade, ao pegar no volante o Joaquim encarna num tigre-de-bengala e ruge, buzina, acelera como nas corridas, trava no último centímetro, ultrapassa por onde pode ou usa o passeio, enfia destemido pelos sentidos proibidos".
Sem dar por isso, associo sempre Camus a Truffaut numa espécie de irmandade afetiva. É como se Truffaut fosse o Camus do cinema, ou vice-versa. Da mesma forma, associo sempre Godard a Sartre. Adoro a primeira irmandade, não tenho saco para a segunda (e não, não por causa dos óculos).
coluna de hoje do Expresso online:
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Ora, isto parece indicar uma coisa muito simples: o principal culpado pelo nosso monumental défice comercial é a despesa do Estado. O nosso querido Leviatã anda mui amantizado com as importações.
II. Além disso, estes números põem em causa um dos principais mitos do regime, um mito que até Cavaco Silva gosta de ter debaixo do braço: o Estado, diz esta lenda, é fundamental para estimular a economia. Ora, estes e outros números indicam precisamente o contrário: o Estado não é o motor da economia.
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A revelação do ano, na bloga e sobretudo no papel (no papel é que se vê), foi Bruno Vieira Amaral. O Bruno faz da crítica de livros um acto de compreensão. Compreensão steineriana. As críticas do Bruno são crónicas onde se pode ler um talento filtrado pelo rigor. Um talento não filtrado torna-se enjoativo.
Já quase que sei o nome do Devedor de Moura.
(...) A vida vai-se fechando num círculo cada vez mais privado. As pessoas cruzaram os braços, estão indiferentes, anestesiadas. Cada um a tratar da sua vidinha. A pensar na carreira. A ganhar dinheiro. O resto não vale a pena, nem justifica "sujar as mãos". Com a crise sobra ainda menos tempo para a vida pública. A política perdeu espaço, basta ver o alinhamento dos telejornais. E o pouco espaço que resta é para falar dos "casos". Não se vai a fundo acerca de nada. Esta despolitização, este fechamento numa lógica privada é preocupante. Faz lembrar o pior do salazarismo. A política encolheu e perdeu qualidade. Mais do que a crise económica, este será porventura o pior legado dos governos Sócrates: a apatia generalizada, a decadência da nossa vida pública de que vamos demorar a recuperar. Paulo Marcelo, Diário Económico
Coluna de hoje do Expresso online
I. Os media ocidentais só prestam atenção a África quando surge algo como a presente situação na Costa do Marfim. Para os nossos media, "África" quer dizer "sangue" e "pobreza". É por isso que muita gente ainda não sabe que existem democracias consolidadas e - relativamente - prósperas em África: Mali, Gana, Benim, Namíbia, São Tomé & Príncipe, África do Sul e Botswana. Como não têm "sangue" e "violência" para dar, estes países não aparecem na CNN ou Sky News; estes países são factos empíricos que não encaixam na narrativa apocalíptica que o Ocidente gosta de reproduzir sobre África. O que é uma pena. Os outros países africanos não vão sair do buraco através dos conselhos morais e abstractos dos ocidentais. Os outros países africanos só encontrarão o caminho da boa governança quando quiserem olhar para as práticas dos seus vizinhos que têm a cor verde no mapa da liberdade . As Angolas só caminharão para a democracia e prosperidade quando quiserem olhar para o exemplo que o Botswana oferece há várias décadas.
II. O Botswana (1.8 milhões de habitantes) é o líder moral, digamos assim, desta África minoritária e democrática.
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