![]()
Crónica da semana passada:
Meus amigos, eu não sou propriamente um germanófilo. Aliás, a minha lista de embirrações antigermânicas é maior do que o PIB alemão: vivi uma temporada na Baviera, e nunca vi um sorriso nativo; a comida alemã é a pior da Europa; Gerhard Schroeder é uma vergonha política sem nome; o Benfica perde sempre na Alemanha; chumbei no secundário por causa do Alemão (bem que podia tirar 19 a História ou a Português, que o sacaninha do 9 a Alemão aparecia sempre); tirando Kant, Schopenhauer e Nietzsche, nunca gostei dos pensadores alemães (solipsismo-com-palavras-de-cinquenta-carateres não é o mesmo que pensamento); e, num Algarve já remoto, uma balzaquiana teutónica partiu-me o coração (ela falava de Bismarck, amigos). Como podem ver, sou um bocadinho germanófobo. E é por isso que senti uma picada epistemológica quando cheguei a esta conclusão germanófila: na atual gestão da crise do euro e da dívida, a Alemanha tem a razão do seu lado.
No meio das discussões técnicas do 'economês', as pessoas tendem a esquecer que o euro assenta num acordo político: a Alemanha abdicou do marco, e, em troca, o resto da UE aceitou cumprir um conjunto de regras 'germânicas'. A Alemanha unificada era demasiado poderosa, e tinha de ser açaimada. O euro foi esse açaime institucional que os alemães aceitaram colocar. Ora, Berlim cumpriu a sua parte do acordo. Atenas, Lisboa e afins infringiram esse acordo. A Grécia mentiu, e Portugal foi irresponsável. Porém, de forma inacreditável, temos assistido à inversão do ónus da responsabilidade. Meio mundo anda a culpar a Alemanha pela atual crise e a exigir que Berlim pague as contas dos Estados endividados sem qualquer protesto ou exigência. Peço imensa desculpa, meus caros amigos, mas a Alemanha tem o direito e o dever de ser dura com a Grécia e com Portugal. A ajuda a estes países não pode ser uma mera questão técnica. Tem de ser uma questão política: em troca da ajuda financeira, Grécia e Portugal têm de ser forçados a realizar reformas institucionais que impeçam a repetição desta situação.
Estas exigências alemãs só não são compreensíveis para aqueles que já esqueceram um pormenor: a Alemanha é uma democracia antes de ser uma passadora-de-cheques. Na gestão desta crise, Merkel tem de gerir as angústias do eleitor-contribuinte alemão, essa personagem que os europeístas de algibeira tendem a negligenciar. Merkel não pode simplesmente pegar no dinheiro dos alemães e dizer 'olhem, vou ali ao Club Med pagar as contas daqueles malandros que seduzem as nossas balzaquianas nas praias'. Como é fácil perceber, o contribuinte alemão não pode pensar que o seu dinheiro é uma caução eterna da vaidade consumista dos povos do Sul; o eleitor alemão tem de pensar que esta ajuda extra é uma alavanca para uma mudança de comportamentos na Grécia e em Portugal, no sentido de colocar esses Estados na rota de cumprimento do acordo celebrado aquando da fundação do euro. Por outras palavras, o euro não pode ser construído contra a vontade do povo alemão (86% dos alemães estava contra a ajuda à Grécia). Se os alemães atingirem o ponto de saturação com o euro, a UE ficará à beira do abismo. Perante tudo isto, meus amigos, seria bom que os povos do Sul começassem a fazer os seus trabalhos de casa a tempo e horas. É que não existe nenhum buço hitleriano na face über-balzaquiana de Merkel.