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Clube das Repúblicas Mortas

Clube das Repúblicas Mortas

11
Nov10

O FMI não é Gordon Gekko

Henrique Raposo

 

 

Ensaio publicado no caderno de economia do Expresso de sábado passado:

 

 

 

I. O nosso tempo é marcado por um estranho paradoxo: vivemos na sociedade da informação, mas as pessoas optam pela desinformação. Nunca foi tão fácil desenvolver uma abordagem racional assente em factos, mas os indivíduos optam, cada vez mais, pelo irracionalismo das teorias da conspiração. Uma das vítimas principais deste ambiente conspirativo é o debate em torno da política económica mundial. O Fundo Monetário Internacional (FMI) não escapa a esta sina. Para muitos (para a maioria?), o FMI é uma espécie de CIA mascarada de Tio Patinhas. Ora, é conveniente limpar esta gordura conspirativa que envolve o FMI e a ordem internacional. Por duas razões: (a) o FMI poderá fazer parte da política doméstica portuguesa; (b) o FMI está a atravessar um período de mudanças históricas, que simbolizam, na perfeição, a nova distribuição mundial do poder.

 

II. Para começar, importa perceber que o FMI é uma entidade política, que resulta da vontade dos estados. O FMI não é um tentáculo de Gordon Gekko. Mais: o FMI é uma entidade política que faz parte de uma rede de instituições que funciona como o suporte político da globalização económica: GATT/OMC, Banco Mundial e, claro, FMI. A ONU tem toda a atenção mediática, mas a verdadeira base da ordem internacional é composta por estas três instituições.

 

III. Desde 1944/45, a função desta tríade institucional é a seguinte: evitar o regresso do ambiente económico que "criou" a II Guerra Mundial.  Nos anos 20 e 30, o proteccionismo, a instabilidade monetária/financeira e a pobreza (pura e simples) criaram as condições materiais para a explosão do racismo e do nacionalismo de Hitler & Cia. Neste sentido, o Banco Mundial foi criado para combater os casos de pobreza extrema; a OMC (ex-GATT) foi projectada para ser o antídoto contra o proteccionismo comercial; e o FMI foi concebido para funcionar como o estabilizador monetário, como o amortecedor das "guerras cambiais" entre os estados. Convém sublinhar que a oscilação imprevisível das moedas nos anos 20 e 30 e a falta de cooperação monetária entre Estados contribuíram, e muito, para o eclodir da II Guerra Mundial. Assim, o FMI tem funcionado - desde 1944/45 - como o polícia destas "guerras económicas" que têm a capacidade para potenciar as verdadeiras guerras.

 

III. Esta função conciliadora, esta capacidade para filtrar as "guerras cambiais" tem sido visível nos últimos meses. Como se sabe, está em curso uma "guerra cambial" entre os EUA e a China. De forma simples, os americanos dizem que os chineses mantêm a sua moeda a níveis demasiado baixos, dificultando assim o início do reequilíbrio do sistema mundial (os chineses têm poupanças até ao tecto - têm de consumir mais produtos externos; os americanos têm dívidas até ao tecto - têm de exportar mais para a China e afins). Este duelo cambial tem sido analisado pela imprensa nacional e internacional, mas existe um dado político que tem escapado aos olhos dos media, a saber: esta "guerra cambial" está a ser travada dentro das paredes civilizadas do FMI. Numa completa negação dos anos 20 e 30, as "guerras cambiais" de hoje estão a ser filtradas por fóruns multilaterais. E isto, convém salientar, é uma novidade histórica absoluta. Na nossa ordem internacional, as tensões e os conflitos de interesses não desaparecem, mas são domesticados. Sem a OMC e sem o FMI, as "guerras" comerciais e cambiais entre EUA e China podiam ter efeitos disruptivos completamente imprevisíveis. O FMI e a OMC mantêm o horizonte das relações EUA-China dentro do previsível. No passado, antes de 1945, o horizonte era sempre imprevisível e, por isso, o controlo do medo na relação entre a potência dominante (EUA) e a potência emergente (China) era uma quimera. Hoje, esse controlo é possível. Aliás, esse controlo acontece todos os dias em fóruns como o FMI. Por outras palavras, o FMI é uma pedra-chave do famoso "multilateralismo".

 

IV. Esta gestão da ascensão da China e das outras potências emergentes é o maior desafio que alguma vez foi colocado ao FMI e ao restante sistema multilateral. Durante a Guerra Fria, a Rússia (estalinismo), a China (maoísmo), a Índia (socialismo nehruniano) e o Brasil (teorias da dependência/substituição de importações) retiraram-se do jogo global, ou seja, esconderam-se no proteccionismo socialista e evitaram o contacto com o sistema liberal de EUA, Europa e Japão (vulgo: globalização). Portanto, durante meio século, o FMI teve apenas de gerir os confrontos económicos que ocorreram dentro da grande família ocidental. Ora, com o fim dos "socialismos" em Moscovo, Nova Deli, Brasília e Pequim, a conversa mudou de figura. Rússia, Brasil, Índia e China entraram no jogo da globalização, e estão a recuperar as voltas de atraso que acumularam ao logo de décadas de isolamento auto-imposto. E, agora, estamos perante um desafio gigantesco para a ordem internacional encabeçada pelo FMI: Como acomodar o poder emergente das novas potências com o poder dos EUA e Europa?

 

V.  Nas últimas semanas, tivemos boas notícias a este respeito. Depois de anos e anos de exigências asiáticas (China, Índia, Coreia do Sul, Indonésia, etc.) e sulistas (Brasil, África do Sul, etc.), um acordo alcançado na última reunião do G-20 lançou as bases para uma mudança histórica na orgânica do FMI. Em traços largos, este acordo determina que os europeus têm de ceder às novas potências. E esta cedência de poder tem duas grandes faces: (a) 6% do poder de decisão serão transferidos para as novas potências; isto significa que o Top 10 do FMI passará a incluir, em simultâneo, a Rússia, a Índia, o Brasil e a China. (b) Os europeus vão ceder às novas potências duas cadeiras no comité executivo do FMI. Ora, esta "revolução" dentro do FMI é um passo fundamental no ajustamento das instituições internacionais à nova redistribuição de poder. Devido à sua emergência económica, a China, o Brasil e a Índia não querem apenas cumprir as regras do statu quo. Estas potências também querem fazer essas regras. E, perante isto, uma coisa parece certa: se não tivessem a possibilidade de participar na concepção das regras da ordem internacional, estas potências ganhariam a legitimidade para desrespeitar o FMI, a OMC e todo sistema multilateral pós-1945. Um cenário que deve ser evitado a todo o custo.

 

VI. Por enquanto, o termo "guerra cambial" é apenas uma metáfora jornalística. E é somente uma figura de estilo, porque a ordem internacional liderada pelo FMI está a conseguir amortecer o impacto da ascensão das novas potências, através destas transferências de poder institucional (outro exemplo: o G-20 substituiu o G-8 como fórum central da economia mundial). Portanto, habituemo-nos ao seguinte: dentro da grande mesa internacional, a transferência de cadeiras da Europa para as novas potências é uma realidade que veio para ficar. A hipótese alternativa (manter os potências emergentes na mesa dos pequeninos) seria o suicídio da actual ordem internacional. Neste cenário alternativo, a expressão "guerra cambial" deixaria de usar aspas.

 

 

nota de rodapé: After Victory, de John Ikenberry

11
Nov10

Autarcas em condições

Henrique Raposo

1. Ler, no i, este excelente trabalho de Rosa Ramos sobre as autarquias bem geridas. Sem medo, há presidentes de câmara que despedem os funcionários que estão a mais. Sem medo, há presidentes que dispensam os motoristas e que impedem os professores de andar a tirar fotocópias nas instalações das câmaras.

 

2. No tempo das internets e não sei quê, é preciso recordar uma coisa: não é possível conhecer um país sem este jornalismo de investigação, que vai ver como as coisas são na realidade, que vai falar com as pessoas.

11
Nov10

Ver além do "excepcionalismo português"

Henrique Raposo

(...)

 

Sabe bem abrir os jornais e ver os portugueses a darem cartas no software e no azeite, nas indústrias de ponta e nos sapatos. E estes casos, meus amigos, aparecem mesmo todos os dias na imprensa. Basta procurar. Por que razão não se fala mais disto? Porque o espaço público português não tem uma narrativa onde encaixar os casos de sucesso. É o "excepcionalismo português". O nosso espaço público está contaminado por uma narrativa que apenas consegue percepcionar os casos negativos . É por isso que os portugueses não conseguem encaixar o seguinte: Portugal foi um dos grandes casos de sucesso económico da segunda metade do século XX. A última década não pode retirar da nossa memória aquilo que fizemos entre 1950 e 1999 .

 

II. É preciso construir uma narrativa que aponte para um caminho , uma narrativa que diga "Portugal vai sair do buraco; vai sair do buraco não por acção de um Estado omnipresente, não por acção de um primeiro-ministro que se julga um mega-empresário; vai sair do buraco por acção dos milhares e milhares de empresários que conseguem, a partir de Portugal, alimentar vários mercados mundiais". E isto não é uma ilusão, meus amigos. Os factos comprovam que somos capazes de fazer isto. As exportações portuguesas cresceram mais de 350% nos últimos 20 anos.

 

 

(...)



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