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Clube das Repúblicas Mortas

Clube das Repúblicas Mortas

05
Out10

Os corajosos

Henrique Raposo

É só rir. Agora, depois das medidas duras tomadas, apareceram umas dezenas de indivíduos que, dizem eles, sempre pensaram que as medidas eram inevitáveis. No depois é sempre fácil ter coragem.

05
Out10

Três dias em Outubro

Rui Ramos

(Lisboa, 1910)

Das “histórias” da História de Portugal, a da implantação da república é, sem dúvida, uma das mais mal contadas. Muito nunca foi investigado, e outro tanto foi esquecido. Quem sabe, por exemplo, que antes do 5 de Outubro já havia uma espécie de república em Portugal, embora com um rei? Ou que a revolução não foi um projecto de todo o Partido Republicano, mas apenas de parte dele? Ou que o fracasso da insurreição, nas primeiras horas, pareceu tão irreversível, que o seu chefe principal, o almirante Cândido dos Reis, se suicidou? Ou que os principais heróis da revolução -- Machado Santos, o chefe do acampamento da Rotunda, e José Carlos da Maia, que tomou o couraçado D. Carlos – acabaram por rejeitar e combater a república tal como esta se desenvolveu, vindo por isso a ser ambos assassinados pelos defensores do novo regime durante a célebre “noite sangrenta” de 19 de Outubro de 1921?


A república antes da república.

Como foi possível derrubar uma velha monarquia com a simples revolta de umas centenas de militares na capital, mesmo admitindo que os revoltosos contavam com simpatia entre uma parte da população da cidade? Acontece que a monarquia, em 1910, já não era a monarquia antiga, sustentada por uma igreja e uma aristocracia poderosas. Desde a sua tomada do poder em 1834, os liberais tinham provocado uma enorme revolução social. Minaram o poder da aristocracia, diminuíram os números e a influência do clero, e submeteram as câmaras municipais da província, onde vivia a maior parte da população, a um Estado centralizado em Lisboa. É verdade que era ainda o rei quem arbitrava a rotação dos partidos no poder. Mas por isso mesmo, os políticos liberais pressionavam-no e atacavam-se sem qualquer escrúpulo de fidelidade dinástica. Portugal, como muita gente dizia, era “uma monarquia sem monárquicos” ou uma “república com um rei”.

Devido à revolução liberal, teria bastado sempre, a quem quisesse instalar uma república em Portugal, conquistar Lisboa e despedir o rei. Mas para tornar a tarefa mais acessível em 1910, havia ainda uma grave crise política. O rei D. Carlos convencera-se da necessidade de promover novos líderes, capazes de modernizar o país. Uma parte dos políticos excluídos montou uma conspiração, de que resultou o assassinato do rei em 1 de Fevereiro de 1908. A corte, intimidada, decidiu restabelecer os velhos chefes de partido e abster-se de usar os poderes do rei. Como nenhum grupo tinha maioria no parlamento, o resultado foi o caos, com sete governos entre 1908 e 1910. Todos os políticos se queixavam do jovem rei D. Manuel II. Isolado no país político, também pareceu isolado no exterior, ao não conseguir um casamento na família real inglesa.


A revolução de alguns republicanos.

Mais até do que qualquer opção doutrinária pela república, o chamado Partido Republicano representou nesta época o desejo de expelir do poder a elite política estabelecida. A república era sobretudo o nome da revolução. Ora depois de 1908, com a crise política do regime, muitos republicanos sentiram uma oportunidade. Em Julho de 1910, contactaram até o governo de Londres, que os deixou perceber que a Inglaterra, a suposta grande aliada da monarquia portuguesa, não a defenderia. O projecto da revolução, porém, não foi de todos os republicanos. Os seus protagonistas principais foram alguns dos membros do Directório do Partido, como José Relvas e Eusébio Leão; os chefes dos grupos de revolucionários lisboetas, organizados em sociedades secretas (a “carbonária”), como o comissário naval Machado Santos, apoiado na maçonaria pelo médico Miguel Bombarda; e o jornalista João Chagas e o almirante reformado Cândido dos Reis, que contactaram e organizaram os oficiais republicanos nas forças armadas. Entre eles, não estavam líderes preponderantes do movimento republicano, como Afonso Costa ou Bernardino Machado, mantidos à margem da conspiração.

Um golpe de força era a única maneira de os republicanos chegarem ao poder. Não estavam à frente de nenhum movimento de massas. Tinham certamente muita gente nas ruas, quando queriam. Mas embora vencessem eleições em Lisboa, faziam-no graças à pouca participação do eleitorado: nunca tiveram mais do que 8 000-12 000 votos numa cidade com cerca de 400 000 habitantes. Sabiam que uma insurreição popular era inviável: não havia armas para armar os civis necessários, não teriam sido possível treiná-los, e era improvável que conseguissem derrotar o exército. O plano, por isso, foi sempre o de tomar conta dos quartéis que havia dentro de Lisboa e dos barcos de guerra ancorados no Tejo e lançar as guarnições na rua, dando aos dirigentes republicanos cobertura para irem à Câmara Municipal proclamar a república. Já tinha sido essa, basicamente, a ideia da revolta de 31 de Janeiro de 1891, no Porto. Como lhes faltavam oficiais superiores,  contavam com grupos de civis, que deviam auxiliar os militares conspiradores – sobretudo sargentos -- a dominarem os quartéis e depois, dispersos pela cidade, atrapalhar as movimentações de forças contrárias.

A situação era complexa. No poder, estava, desde Junho de 1910, a esquerda liberal, com um governo chefiado por António Teixeira de Sousa. O governo prometia quase todas as reformas que os republicanos exigiam, a começar por uma nova diminuição da influência do clero. Tinha contra si a direita conservadora, apoiada pela igreja. Por isso, o líder republicano Afonso Costa e os seus amigos admitiam que o governo merecia alguma benevolência, para não dizer colaboração. O regime, de resto, tolerava uma vereação republicana na Câmara Municipal de Lisboa e deputados republicanos no parlamento.

Esta divisão dos republicanos dificultava e facilitava a conspiração. Dificultava, porque a corrente encabeçada por Afonso Costa era das mais importantes no partido. Facilitava, porque o governo não estava à vontade para se defender, uma vez que corria o risco de alienar Costa se reprimisse os correligionários deste. A conspiração pôde avançar e quando pareceu que ia rebentar uma primeira vez, a 19 de Agosto de 1910, o governo reagiu de uma maneira curiosa: mandou sair os barcos de guerra do Tejo, fechou todos os quartéis de Lisboa e recolheu a polícia às esquadras. Toda a gente riu de uma autoridade que, para evitar uma revolução, abandonava a cidade. Mas para o governo, que não temia uma insurreição popular, o essencial era pôr as forças armadas fora do alcance dos conspiradores.


O sucesso de uma revolução falhada.

Tudo começou mal. No dia 3 de Outubro, Miguel Bombarda foi alvejado a tiro por um doente psiquiátrico. Antes de morrer, ainda teve tempo de queimar os papéis na sua posse, mas a revolução perdeu ali um dos seus líderes. Os revolucionários decidiram avançar nessa noite, de 3 para 4 de Outubro. Mas na Baixa de Lisboa, quem não foi para a cama ficou confrontado com uma cidade aparentemente quieta, onde apenas constava que havia uns tiros para os lados de Campo de Ourique e de Alcântara. A situação pareceu de tal modo pouco promissora, que o almirante Reis decidiu matar-se, para não ser preso. De facto, alguma coisa acontecera. Dois barcos de guerra tinham sido tomados por oficiais republicanos, tal como o quartel da marinha em Alcântara. Além disso, umas cinco centenas de soldados, com várias peças de artilharia, haviam saído de dois quartéis. Este último grupo, desorientado por algumas escaramuças com a Guarda Municipal, acabou por acampar ao alto da Avenida da Liberdade, na chamada Rotunda, sem destino certo. De manhã, os poucos oficiais que lá estavam decidiram fugir. Só ficou Machado Santos, com os sargentos. O mesmo pânico fez os líderes republicanos desaparecerem. Na manhã de 4 de Outubro, agentes do governo andaram na Baixa a prometer clemência se os insurrectos depusessem as armas. Mas a revolução, embora falhada, ainda não acabara.

Sem terem cumprido o seu plano, os revoltosos tinham no entanto criado uma situação difícil para o governo. Para vencer os militares revoltados na Rotunda, no quartel de Alcântara e nos dois barcos sublevados no Tejo, teria sido necessária uma operação de certa escala e com alguma determinação. Ora, os comandos militares em Lisboa não eram, como aliás acontecia à maioria dos oficiais superiores, nem muito combativos, nem muito práticos em manobras. Também não dispunham de mais do que recrutas com pouca experiência, sob o comando de oficiais por vezes secretamente simpáticos aos revoltosos.

Acima de tudo, porém, faltava vontade política. O governo nunca soube bem que fazer. Desejava evitar repressões, que só iriam manchar a sua imagem de “progressismo”. Estava, de resto, muito fragilizado desde as eleições de Agosto de 1910. Normalmente, os governos ganhavam as eleições. Mas neste caso, o governo tinha sido posto em cheque por vitórias conservadoras no norte e republicanas no sul. Ficou abalado. O rei, no entanto, confirmara a sua confiança nos ministros. Esta insistência de D. Manuel numa linha de esquerda, irritou a direita conservadora, que o passou a tratar como o “rei dos republicanos”. Alguns conservadores começaram a preparar também um golpe de Estado. De facto, a revolução só faz sentido neste contexto. Os revolucionários calculavam que o governo não tivesse estômago para os reprimir, e que a direita conservadora, incompatibilizada com a dinastia e também a conspirar pelo seu lado, nada faria para defender as instituições.

Foi o que se viu no dia 4. Os rebeldes na Rotunda, em Alcântara e nos navios passaram a maior parte do tempo sem qualquer incómodo. Só o capitão Paiva Couceiro tentou combater o acampamento da Rotunda. Mas fê-lo com uma pequena força de artilharia, sem a devida cobertura de outras unidades e durante limitados períodos (um par de horas à tarde, outro de madrugada). Machado Santos aguentou. Ao princípio da noite, o tenente da armada José Carlos da Maia, encorajado pela passividade do governo, decidiu apossar-se do couraçado D. Carlos. Os revoltosos chegaram assim ao dia 5 numa posição confortável. Do outro lado, a desorientação era grande. Os ministros mandaram sair o rei de Lisboa, mas depois também eles desapareceram, perante a hostilidade aberta dos oficiais conservadores. Em geral, quase não se combateu. Na Rotunda, os maiores confrontos só produziram um morto, por acaso civil. Ao contrário do que diz a lenda, os “carbonários” não fizeram muito mais. A maior parte dos mortos e feridos foram transeuntes e mirones, vítimas de tiros de artilharia. Tirando um prédio incendiado, perto da Rotunda, mal houve estragos. Na maior parte dos bairros de Lisboa, a revolução só se fez sentir pelo barulho de tiros, ao longe.


O desenlace.

Na manhã de 5 de Outubro, um acaso ajudou os revolucionários. O representante da Alemanha em Lisboa pediu um cessar-fogo durante o tempo necessário para evacuar os estrangeiros da cidade. No meio das negociações, Machado Santos apercebeu-se do caos no outro lado e resolveu descer da Rotunda, avenida abaixo, em direcção ao quartel general no Rossio. Entrou no edifício sem resistência e, perante uma pequena multidão de civis que debaixo da janela dava vivas à república, misturados com os soldados, convidou o comandante da divisão militar de Lisboa  a aderir. Este, numa atitude típica, encolheu os ombros e pôs à disposição o seu lugar. O governo deixara de ter forças militares organizadas na capital. Os líderes do PRP, saídos dos seus refúgios, puderam ir então à varanda da câmara proclamar a república. A parte da população que apoiava os republicanos depressa criou um ambiente de regozijo.

Em Sintra, a corte ainda discutiu se o rei devia ir para o Porto, pôr-se à frente de uma provável reacção conservadora do norte, região em que a influência dos republicanos era limitada. Mas a corte sabia que os conservadores tinham perdido confiança num rei que só favorecera a esquerda. A família real optou por embarcar no iate Amélia, em direcção a Gibraltar. Daí, partiu para Inglaterra. Em lado nenhum do país houve resistência. Depois de tantos anos de instabilidade, havia até certa expectativa benévola a favor do novo regime. A maior parte dos oficiais das forças armadas jurou respeitar as novas autoridades, como aliás fez o funcionalismo público civil. Os partidos do regime anterior dissolveram-se por vontade própria.

A revolução não começou nem acabou em Outubro de 1910. Não começou, porque já antes os liberais tinham estabelecido em Portugal uma sociedade e um Estado quase republicanos. Não acabou, porque o novo regime ainda estava para ser definido. A grande questão era saber se ia ser um regime aberto a todos, ou só para alguns. No fim, o poder acabou nas mãos de Afonso Costa, que fez da república um regime sectário e exclusivista, em que só os militantes do Partido Republicano, dirigido por ele, tinham direitos. Os heróis do 5 de Outubro, tanto Machado Santos como Carlos da Maia, combateram-no em nome de uma “república para todos os portugueses”. Onze anos depois, pagaram essa oposição da maneira mais trágica. Na noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921, os dois fundadores foram assassinados pela esquerda radical a quem, sem saber, tinham aberto a porta do poder.  

(Publicado na revista Sábado, 23 de Setembro de 2010).



05
Out10

800 mil convocados

Rui Ramos

O Estado escreveu a 800 mil portugueses, ordenando-lhes que provem merecer “apoios sociais”. A prova é realizável electronicamente. Muitos, no entanto, tiveram de comparecer em pessoa, com crianças ao colo, formando filas intermináveis pela rua. As televisões deram o espectáculo do desfile. Alguns não sabiam bem o que lhes pediam, mas, convocados, ali estavam. São 800 000 pessoas sem direito ao tempo nem à privacidade. A sua “culpa”? Dependerem do Estado.

Sim, este senhorio que regularmente põe os vassalos em parada, para inspecção, é aquele Estado social que a nossa oligarquia defende como a fronteira entre a civilização e a selva. Aos contribuintes, exige a bolsa; aos beneficiários, muito mais: a vida, em todos os pormenores. O Estado social está a precisar de um Michel Foucault que descreva o que, a pretexto de redistribuir riqueza, é de facto um dispositivo de menorização e controle da população mais pobre.

Tudo começa na “espera”, essa grande experiência do Estado social: tirar senhas, fazer filas, entrar em listas, aguardar pela chamada. É uma educação: põe cada um no seu lugar. O Estado nunca dá logo: faz-se demorar, faz sentir o peso de circuitos lentos e minuciosos. Tudo é “complicado”, tudo convida a um fatalismo soviético.

Perante o Estado, todos têm a obrigação de se expor e deixar devassar. Mas se o Estado sabe tudo deles, não sabe quem eles são. São identificados, mas não têm identidade. Não são pessoas, mas informações: cartões e códigos. Porque o “conhecimento pessoal” introduziria o factor humano, uma história diferente, a possibilidade de uma excepção, o risco do favorecimento. O sistema só processa “casos sociais”.

Depois, há a suspeição. O Estado não confia. Aos beneficiários, estigmatiza-os como potenciais abusadores; aos funcionários, como agentes de desperdício. Ei-lo assim com razões para obrigar os primeiros a apresentações periódicas às autoridades, e para fazer os segundos consumir uma parte do tempo a preencher papéis a fim de outros funcionários medirem a sua eficiência. E de vez em quando, vem a mudança de regras,  o corte e a restrição, refrescando em todos o sentido da vulnerabilidade.

George Orwell escreveu que em qualquer sociedade o “povo (the common people) tem de viver até certo ponto contra a ordem estabelecida”. Orwell não conheceu o Estado social: é o primeiro sistema em que o “povo” vive totalmente sufocado pela ordem.

Desculpem, mas faz-me impressão que isto não faça impressão a ninguém. O contrário da pobreza tem de ser esta dependência, esta versão burocrática da sopa de Arroios? É isto decente? É isto a igualdade? Não, o Estado social não é alternativa ao trabalho, como base da cidadania, nem alternativa a uma sociedade civil solidária, como base da coesão. Porque o Estado nunca poderá ser “social”. O negócio do Estado é o poder. Falar de “Estado social” faz tanto sentido como falar de uma Inquisição tolerante ou de uma Máfia honesta – é uma contradição nos próprios termos. O Estado é o Estado. Não pode ser outra coisa. Nunca será outra coisa.

Rui Ramos

(Publicado no Expresso, 25 de Setembro de 2010).

05
Out10

Os suecos são neoliberais fascistas, como toda a gente sabe

Henrique Raposo

 

(...)

III. A Suécia, no fundo, compreendeu uma coisa bem simples: uma economia liberal e flexível é a única coisa que pode sustentar um Estado Social. O tal capitalismo é a base do famoso Estado Social sueco. As economias rígidas e socialistas do sul da Europa não conseguem gerar a riqueza necessária para abastecer o tal Estado Social. Porquê? Porque limitam a capacidade de criação de riqueza do tal capitalismo. Ao invés, a Suécia, segundo indicadores internacionais, tem mais liberdade económica do que os EUA, nomeadamente ao nível dos impostos pagos pelas empresas. Não por acaso, os conservadores americanos já olham para a Suécia como um bom exemplo.

(...)

 

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