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Clube das Repúblicas Mortas

Clube das Repúblicas Mortas

31
Ago10

Deus, o outro, numa forma formidável

Henrique Raposo
31
Ago10

10 mandamentos para a Justiça

Henrique Raposo

Ensaio publicado no Expresso de sábado.

 

I. O caso Freeport é o ponto sem retorno. Precisamos de carregar no botão de ‘reiniciar’. Precisamos de refundar institucionalmente a arquitectura da justiça e a relação entre os magistrados e o poder democrático. Ou seja, precisamos de refundar a III República. Os regimes que não mudam acabam por morrer, e este regime está a morrer em câmara lenta diante dos nossos olhos. Quem tem a coragem para carregar no ‘reiniciar’?

 

II. Antes das mudanças institucionais propriamente ditas, a nossa elite intelectual e política tem de revolucionar a forma como percepciona a justiça. E esta ‘revolução intelectual’ perante a justiça é, em si mesma, uma mudança de atitude face à própria ideia de democracia. Neste sentido, é urgente que a cultura política portuguesa absorva o seguinte: a democracia liberal não é apenas o jogo eleitoral entre partidos; pensar a democracia liberal implica reflectir constantemente sobre a justiça, e sobre a relação entre justiça e poder democrático. A Política de uma República engloba a justiça. Aliás, desde os Federalistas americanos, uma República é a articulação entre o sistema democrático e/ou partidário (poder vertical) e o sistema judicial (poder horizontal).

 

III. Por outras palavras, a justiça é um assunto político de primeira grandeza. Na prática, isto determina que a justiça não pode continuar a ser um tema ‘técnico’ que acaba sempre nas mãos dos ‘técnicos’ (juízes, procuradores, advogados e professores de Direito). A organização da justiça e a Constituição não são propriedades exclusivas dos catedráticos de Direito, dos magistrados e dos juristas. Quem escolhe a organização da justiça é a comunidade política (i. e., todos nós), e não os ‘técnicos’ do Direito. Em suma, o debate em torno da justiça não pode continuar a ser uma coutada das corporações judicias.

 

IV. Dentro desta perspectiva política, o problema principal do nosso sistema judicial não é a falta de meios humanos e/ou materiais. O problema está na ‘governança’ da justiça, isto é, está no funcionamento do sistema, nomeadamente na ausência de responsabilização de juízes e procuradores. O tal ‘sistema’ (i.e., procuradores e juízes) vive em auto-gestão, sem transparência, sem uma fiscalização digna desse nome, pois encontra-se fora do circuito de responsabilização democrática (accountability).

 

V. A tensão entre o poder judicial e o poder democrático é uma marca central de todas as democracias liberais. E esta tensão não tem resolução definitiva; em qualquer democracia liberal, existe uma constante negociação entre a autonomia dos magistrados e a necessidade de prestação de contas democrática desses magistrados. Ora, em Portugal, essa tensão foi completamente anulada em favor da autonomia completa dos magistrados. Onde deveria existir 50% de autonomia contrabalançada por 50% de accountability, existe 100% de impunidade corporativa. Isto tem de acabar.

 

VI. Para começo de conversa, os sindicatos de magistrados devem ser extintos. Titulares de cargos de soberania não podem ter sindicatos. A soberania não faz greve contra a soberania, logo, um sindicato de magistrados é, em si mesmo, uma contradição em termos. Um inenarrável oximoro institucional. Por outro lado, convém relembrar que os actores institucionais do Estado de Direito (magistrados e polícias) não são funcionários do estado social (enfermeiros, professores, etc.). Quem defende o Estado de Direito não pode ter organizações sindicais e corporativas. Ponto final.

 

VII. Após a extinção dos sindicatos, devem ser tomadas outras mudanças institucionais (e não meras medidas técnicas e burocráticas). E tenho de frisar a expressão “mudanças institucionais”. Porque o problema não está nas pessoas que ocupam os cargos. O problema está nos cargos em si mesmos. Não podemos continuar a discutir pessoas. Esse ‘pessoalismo’ não leva a lado nenhum. Temos de desenvolver um ‘institucionalismo’ na forma como abordamos a justiça. Depois da saída de Souto Moura, muita gente pensou que tudo seria diferente com Pinto Monteiro. Ora, nada mudou. E nada vai mudar enquanto não mudarmos as regras institucionais que estão a montante dos ‘Soutos Moura’ e dos ‘Pintos Monteiro’.

 

VIII. De facto, o Procurador-Geral da República (PGR) é um cargo com pouco poder. No interior do Ministério Público (MP), os procuradores – protegidos pelo sindicato - vivem em completa auto-gestão. E, atenção, esta fraqueza do PGR é uma consequência de algo que nunca é discutido: a escassa legitimidade democrática do PGR. Neste sentido, é urgente reforçar a accountability do PGR. Como? O PGR deve passar a ser indicado pelo Presidente, e, após essa indicação presidencial, o candidato a PGR deve ser avaliado e validado (ou não) pela Assembleia. O actual processo de escolha do PGR é tudo menos transparente e responsabilizador. Tal como está, o processo é opaco, não passando de um mero jogo de bastidores: o governo escolhe e o Presidente aprova essa escolha, sempre em circuito fechado. E este é o problema: nunca se faz uma auscultação pública do candidato. O candidato a PGR nunca é avaliado. Antes de ele tomar posse, nunca sabemos quais são os seus méritos e as suas opiniões; nunca sabemos o que pensa fazer nos seis anos de mandato. Esta opacidade tem de acabar. O candidato a PGR tem de ser duramente avaliado na Assembleia. Os deputados têm de submeter o candidato a um intenso escrutínio, devidamente observado pelo público e pelos media. Mais: a Assembleia deve ter a possibilidade de negar o candidato proposto pelo Presidente (que assim teria de indicar um outro nome). Um PGR realmente poderoso, e com real autoridade dentro do MP, só pode nascer de uma dura e legitimadora avaliação pública, e mediática.

 

IX. A falta de escrutínio sobre os juízes é o outro grande problema da justiça. Tal como os procuradores, os juízes não são avaliados por entidades exteriores à sua própria corporação. Resultado: o Conselho Superior da Magistratura (CSM) avaliou 97% dos juízes com a classificação de “bom” e “muito bom”. É confrangedor cruzar estes 97% de ‘juízes-geniais’ com os atrasos dos nossos tribunais. Em Portugal, é quase impossível reaver uma dívida pela via legal, mas o CSM considera que 97% dos nossos juízes não têm defeitos. É urgente furar esta nomenclatura corporativa que é alheia ao mérito e à prestação de contas. No actual statu quo, o critério para a ascensão dos juízes não é o mérito, mas sim a antiguidade. Ou seja, os juízes sobem nas carreiras como se fossem meros funcionários públicos. Isto não é admissível num Estado de Direito. E, se queremos acabar com este estado de coisas, temos de reformar o CSM. Este órgão necessita de maior legitimidade democrática, isto é, os seus membros devem passar a ser nomeados, em exclusivo, pelo poder democraticamente eleito (Assembleia e/ou Presidente). Os juízes não podem nomear outros juízes para o CSM. Isso não faz sentido, porque os juízes nomeados vão, depois, avaliar os juízes que nomeiam. Além disso, o CSM deve ter uma abertura profissional, ou seja, deve abrir-se a não-magistrados. A justiça é demasiado importante para ficar exclusivamente nas mãos dos magistrados. Neste ponto, o modelo espanhol (Consejo General del Poder Judicial - CGPJ) pode ser um modelo a seguir. Na actual arquitectura, o CSM tem dezoito membros: o seu presidente é o presidente do Supremo, o seu vice-presidente é um juiz do Supremo; o Presidente da República nomeia dois membros, a Assembleia nomeia sete, e os juízes nomeiam outros sete. Em Espanha, o CGPJ tem vinte membros, doze magistrados e oito não-magistrados. E todos (repito, todos) são nomeados pelo parlamento espanhol. Em Portugal, podemos seguir este modelo, porque garante superior legitimidade democrática, e evita cegueiras corporativas. Por outro lado, ao incluir pessoas que não são magistrados, este modelo abre o mundo da justiça ao ar que se respira cá fora, na vida real.

 

(X. O mandamento da desilusão: a nossa elite não discutirá estas questões institucionais, e vai continuar nas trocas de ódios pessoais).

31
Ago10

Quando Israel não troveja

Henrique Raposo

Na narrativa dos media europeus (e portugueses), a Palestina só aparece quando um grupo de palestinianos troca tiros com o exército israelita. Esta é a Palestina dos picos mediáticos. Porém, existe outra Palestina, mais constante, mais corrente, a Palestina do dia-a-dia. Sucede que esta Palestina não aparece nos nossos media. Mas convém acompanhar a Palestina durante os 350 dias do ano em que não há notícias sobre tanques israelitas a contra-atacar (contra-atacar).

(...)

Ou seja, a moderada AP está a construir outro estado autoritário no Médio Oriente. Não é totalitário como a Gaza do Hamas. É só autoritário. É uma espécie de islamismo on the rocks.

 

 

do Expresso online

30
Ago10

Pergunta para Passos Coelho

Henrique Raposo

Por que razão V. Exa. não faz um governo sombra? Essa é a única forma de fazer oposição de forma séria. Mais importante: é a única forma séria de preparar um partido para ser governo. O PS não precisa de se preparar. O statu quo (até constitucional) é o PS. O PS só tem de gerir aquilo que já existe. Se quer realmente mudar as coisas, o PSD precisa de se preparar. E só se conhece uma maneira de preparar um partido para o governo: através do governo sombra.

 

Eu tenho umas ideias:

 

Saúde: José Mendes Ribeiro

 

Educação: Nuno Crato

 

Economia: Álvaro Santos Pereira

 

 

OK, para conquistar o partido, é preciso os Marcos Antónios e afins. Mas para conquistar o país é preciso mais qualquer coisa.

30
Ago10

O perigo da democracia directa

Henrique Raposo

(...) Porque a vontade da maioria expressa em voto nem sempre é sagrada. Se colocar em causa regras básicas da sociedade liberal, a democracia torna-se ilegítima. No caso francês, a vontade democrática está a pôr em causa o direito cosmopolita de base kantiana: um estrangeiro tem os direitos e os deveres de um nacional. (...)


Do Expresso online

27
Ago10

A palavra-mágica da mentira política

Henrique Raposo

(...) O "neoliberalismo" é a palavra-mágica que, num ápice, tudo explica. Pior: é a palavra-mágica que legitima, logo ali, aqueles que a usam. Nesta terra, aquele que gritar "neoliberalismo" é um santo inquestionável. Em Portugal, se usarem esta password da demagogia, os idiotas e os pulhas passam a ser génios e santos. Logo ali.

 

No Expresso online

26
Ago10

Campeonato da bullshit

Henrique Raposo

 

(...)

Pois muito bem: ficámos a saber que os búlgaros são muito bons no chico espertismo. Têm bullshit da melhor. Entretanto, eu acho que Portugal deve usar esta técnica. Podemos começar por "descobrir" os restos da arca de Noé no alto do Pico, e depois podemos dizer que um hobbit foi "avistado" nos Montes Hermínios. Não quero que Portugal fique atrás de ninguém no campeonato da bullshit.

 

PS: juro pela minha honra que vi o Yoda a banhos no Algarve.

 

 

no Expresso online

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