Professor Alfredo Tinoco
Um bom professor vale anos de estudo de manuais obsoletos, compensa o convívio forçado com patetas incuráveis, justifica o tempo perdido em transportes para se chegar à faculdade. O bom professor é aquele que nos ensina o que só ele nos pode ensinar. O bom professor é aquele que, durante uma aula de História numa secundária dos subúrbios, discute Ian McEwan connosco. O bom professor é aquele que nos leva até Borges e, com toda a generosidade do mundo, nos empresta uma edição de Ficções. O bom professor é aquele que, a pretexto de uma matéria qualquer, nos convida para ver Ondas de Paixão. O bom professor é aquele que, no meio da estupidez geral de uma turma do nono ano, tem a coragem de se dizer fã de Debussy. O bom professor é aquele que sai do caminho estreito dos programas e partilha com os alunos um pouco do seu mundo, da sua experiência, do seu conhecimento, da sua perplexidade perante a vida. Alfredo Tinoco foi um desses professores. Recordo pouco das aulas dele, qualquer coisa sobre Museologia, mas não esqueço aquela tarde numa esplanada de Entrecampos em que afirmou, com um sorriso gaiato e a voz rouca de gigante, que era anarquista e que, por isso, não se dava ao trabalho de votar. Proclamou, ufano, a aversão ao bicho automóvel e confessou que não tinha carta de condução e que, mesmo a trabalhar no estrangeiro, encontrara sempre uma solução para esse problema que, na nossa época, equivale a uma deficiência. Esta simples lição sobre diferença ensinou-me mais do que todas as aulas sobre eco-museus e patrimónios. Infelizmente, não vou a tempo de lhe agradecer essa dádiva, porque o Professor Alfredo Tinoco, mestre gentil e grave, morreu esta semana. A generosidade, da qual fomos felizes beneficiários naquele fim de tarde, permanece comigo.
Bruno Vieira Amaral e Henrique Raposo