As perguntas
O que incomoda nesta entrevista não são as respostas de Almeida Santos, mas as perguntas.
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O que incomoda nesta entrevista não são as respostas de Almeida Santos, mas as perguntas.
O senhor k. vai ao SAP
Falemos então de saúde. Tomemos como exemplo o senhor K. O senhor K. ganha 700 euros por mês – menos do que a média nacional – e tem contratos mensais com uma empresa de trabalho temporário, embora exerça funções numa grande empresa nacional. Um dia, o filho do senhor K. queixa-se de dores no ouvido. É sábado e o senhor K., que faz os seus descontos para a Segurança Social e não tem seguro de saúde, leva o filho ao Serviço de Atendimento Permanente. Paga uma taxa mínima (3 euros?) por uma consulta que não demora mais de 10 minutos. O diagnóstico é uma otite. O médico receita um antibiótico. Uma semana mais tarde, o filho do senhor K. continua com dores. Regressam ao centro de saúde, pagam a taxa e são atendidos por outro médico. O antibiótico não era o adequado. Novo antibiótico. Uma semana depois, a criança ainda tem dores. Como o senhor K. não é maluco e a saúde do filho é uma coisa que o preocupa decide marcar consulta num médico particular. Paga 80 euros. A otite é violenta. A criança vai ter de levar injecções e vão ter de fazer uma análise para determinar que tipo de bicharoco é aquele. Quando tem o resultado das análises, o senhor K. regressa ao médico. Mais 80 euros. A criança apresenta melhorias mas vai ter de fazer um tratamento durante dois meses, porque com as otites não se brinca. A criança recupera e encontra-se bem.
Agora imaginemos que o senhor K. é funcionário público e ganha 1200 euros por mês. O filho queixa-se de dores nos ouvidos e o senhor KFP marca uma consulta no mesmo médico particular do sr. KTT (K trabalho temporário). Paga 8 euros. O estado paga o resto. Agora, expliquem-me lá onde é que está a justiça deste sistema de saúde tendencialmente gratuito? É que o sr. KTT nem se importaria de pagar 40 euros por uma consulta no centro de saúde. Ele não ganha muito mas a saúde do filho é uma coisa importante e o sr. KTT paga 30 euros de tlm, gasta 70 euros por mês em tabaco e, ocasionalmente, até compra o Expresso. Não se importaria mesmo nada de pagar por um serviço decente e justo. Gostaria de, pelo menos, ter uma oportunidade como a do senhor KFP, nem que tivesse de pagar mais pela consulta no particular. O que chateia o senhor KTT é que o Estado lhe venda a ilusão de um serviço de saúde universal e tendencialmente gratuito, e que seja ele, e outros como ele, a sustentar essa ilusão e, quando o senhor KTT tem necessidade de recorrer a essa ilusão, chega à conclusão que o melhor é ir directamente ao particular, ao perigoso mercado neo-liberal. E ainda chateia mais o senhor KTT o seguinte: ao mesmo tempo que lhe vende essa ilusão, o estado mantém um sistema de privilégio para os seus privilegiados funcionários. É que enquanto que o senhor KTT pagou 160 euros por duas consultas, o senhor KFP pagou 16. Lembremos que o senhor KFP ganha mais 50 % do que o senhor KTT. Não seria mais justo que o senhor KFP pagasse um pouco mais, até para benefício de outros funcionários públicos que ganham menos do que o senhor KTT?
Bruno Vieira Amaral
(também gosta de cinema australiano?)
Em primeiro lugar, não escrevo a pensar na contabilidade das conversões. Não me interessa essa folha do Excel místico.
Em segundo lugar, os meus argumentos sobre a ADSE são os mesmos de um ex-ministro da saúde. Mas só uma pergunta: v. está mesmo a comparar a ADSE com os benefícios dados por algumas empresas? Acho que são coisas comparáveis?
Já agora, interessava que o país falasse de uma coisa: a ADSE devia ser alargada a toda a gente. A ADSE devia ser o nosso SNS. Seria mais eficaz para o doente, e poupava dinheiro aos contribuintes. Neste momento, a ADSE é ilegítima, porque privilegia apenas um grupo de pessoas, quando devia abranger toda a gente. Mais: o tal plano de saúde de Obama, aplicado a Portugal, seria mais ou menos isto de que falo – a extensão da ADSE a toda a gente.
Depois, eu critico, e muito, a massa salarial da função pública. É só procurar um pouquinho. Até fico tristinho pelo facto de a minha cara “amiga” não ter reparado nisso.
A função pública é tão grande e impenetrável que os números variam, minha “cara”: há quem fale em 600 mil, 700 mil e até 900 mil (Expresso, há uns meses). Calculo que a diferença entre os 600 mil e os 900 mil deriva deste facto: há quem tenha vínculo vitalício (600 mil?) e depois, os mais novos, têm recibos verdes (200 mil? 150 mil?). E sabe por que razão há tantos recibos verdes na função pública? Porque os directores não podem renovar os quadros, porque não se pode despedir um funcionário público do “quadro”. E o que sucede é isto (o que sucedia, pelo menos): perante o “imobilismo” (belo eufemismo) reinante, os institutos e afins arranjam os “recibos verdes” para fazer aquilo que devia ser feito pelos funcionários do quadro. O nosso Estado está mesmo cheio de “chicos espertos”.
Mas, minha “cara”, tenho a dizer uma coisa: mea culpa. Sim, de facto, perco a cabeça com a função pública. Sim, muitas vezes tendo para a cartoonização do FP. Às vezes, o estilo vence a seriedade. Isto é grave porque estamos num debate que mexe com a vida de milhares de pessoas. Sim, há excesso de FPs. Sim, recebem demasiado. Sim, é necessário dispensar muitos. Mas, quando se fala destas coisas, é preciso ter cuidado no tom, no estilo. Estamos a falar de pessoas, e não números ou uma massa de gente sem rosto. Até lhe digo mais. Há dias, perdi uma noite de sono, porque joguei uma crónica feita para o lixo. A dita crónica “desumanizava” o tal conceito abstracto, a “função pública”. Portanto, até tenho de lhe agradecer. Porque o seu reparo, apesar de pouco fundamento, obrigou-me a desenvolver um mea culpa sobre o tom (não sobre a essência). O tom conta muito, já dizia a minha avó. Este mea culpa que aparecerá algures. Obrigado.
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