Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Clube das Repúblicas Mortas

Clube das Repúblicas Mortas

17
Jun10

O que une Zizek e Bin Laden?

Henrique Raposo

Foi publicado este ano em França um livro que reúne as comunicações apresentadas num colóquio que teve lugar em Londres em 2009. Intitula-se "A Ideia do Comunismo" e é editado por Alain Badiou e Slavoj Zizek, duas estrelas da esquerda radical, contando com a colaboração de mais 14 autores, entre os quais Toni Negri e Gianni Vattimo. Li-o entre o riso e o susto, e não creio que a reacção se deva a qualquer idiossincrasia minha. Explico muito rapidamente porquê.

A indiferença face à história real do comunismo - e à história em geral - atinge proporções cósmicas. Badiou, por exemplo, sem um só pensamento para os Gulags deste mundo, declara que "dar uma forte existência subjectiva à hipótese comunista" (a fórmula é curiosa) é "uma tarefa exaltante", sendo nessa exaltação acompanhado por Negri, que utiliza também o termo, e por Zizek. Zizek, de resto, num retorno ao velho mito bolchevique, exige que a exaltação seja acompanhada de uma "disciplina" e de um "espírito de sacrifício" que permitam contrariar a "permissividade hedonista" da sociedade actual.

O tal "espírito de sacrifício", adivinha-se, não é o de um pacato monge. Ele conduz à violência. Berlusconi goza de grande popularidade em Itália? Pois bem, "a violência deverá ser reabilitada" (Zizek). Vattimo vai no mesmo sentido. Quem acredita ainda em eleições? Mais vale confiar numa "indisciplina social" que saiba conviver com as "raras vantagens da sociedade liberal e democrática". O acto eleitoral não se encontra certamente entre elas, para Vattimo, que consegue ainda atribuir à "crise actual do capitalismo" um carácter de fim de ciclo idêntico ao da queda do Muro de Berlim: o capitalismo ter-se-ia desacreditado do mesmo modo que antes se desacreditara o "comunismo real". Valha-nos Deus!

A reabilitação do comunismo, por cima de um exército de cadáveres, a recusa da democracia e da "permissividade hedonista" e o elogio da violência são apenas uma pequena parte da "tarefa exaltante" que aguarda as nossas "existências subjectivas". Há no livro, de facto, lugar para muito mais. Um exemplo entre vários: o elogio de Sayyid Qutb, o principal inspirador de uma das mais extremas correntes do islamismo, a dos Irmãos Muçulmanos, e - um disparate que nem se conta - a sua apresentação como encarnação da "fraca força messiânica" de que falava o filósofo Walter Benjamin (Susan Buck-Morss).

Nada disto é para levar a sério? É verdade que o espectáculo do perfeito divórcio da realidade suscita a irrisão. Mas é a própria possibilidade humana dessa indiferença que gela a espinha. Se pensarmos bem, do riso ao susto o passo é pequenito.


Paulo Tunhas

Mais sobre mim

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Links

  •  
  • Henrique Raposo:

  •  
  • Rui Ramos:

  •  
  • Notícias

  •  
  • Revistas

  •  
  • Blogs

  •  
  • Arquivo

    1. 2014
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2013
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2012
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2011
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2010
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2009
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D