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Clube das Repúblicas Mortas

Clube das Repúblicas Mortas

25
Jan10

O sexo dos cônjuges

Rui Ramos

Os Bizantinos, antes do fim, discutiam o sexo dos anjos; entre nós, que não temos anjos, propõe-nos a nossa nomenclatura que discutamos o dos cônjuges – embora sem voto na matéria. A questão parece ser esta: a um contrato matrimonial reconhecido pelo Estado entre duas pessoas do mesmo sexo, deve chamar-se “casamento” ou “união civil registada”? De um lado e do outro, dizem-nos que da escolha de designação depende o princípio ou o fim do mundo, e exigem-nos que tomemos partido. 

 

Que pode pensar um cidadão que, tal como manda a constituição, não quer “discriminações”, e que, apesar dos versos de Philip Larken (“They fuck you up”...), acredita que a família, fundada em casamentos ou uniões, é ainda o ambiente menos mau para crescer e viver? 

 

A verdade é que nada do que nos disseram até agora é suficiente para sairmos à rua. Acabarão os preconceitos contra os homossexuais só por às suas uniões civis se passar a chamar oficialmente casamento? As famílias vão dissolver-se apenas porque pessoas do mesmo sexo podem casar-se? 

 

Chamar casamento à união civil registada entre pessoas do mesmo sexo é, simultaneamente, algo que não se deveria reivindicar como direito, e algo que, uma vez reivindicado, não se pode recusar a não ser como discriminação. Mas que diferença pode fazer? Sem “casamento gay”, os casamentos continuarão a ser, como os fez a lei e o nosso individualismo, contratos precários, num país em que é mais fácil para um cidadão divorciar-se do que despedir um empregado. Com “casamento gay”, poucos homossexuais optarão pelo estilo de vida recomendado pela “moral burguesa”. Na Holanda, onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo é possível desde 2001, houve 2500 no primeiro ano e apenas 1100 em 2005 (em 71 000 casamentos). Ao fim de quatro anos, estimava-se que 0,3% dos homossexuais adultos estivessem casados, por contraste com 60% dos heterossexuais. Há-de ser assim: nos primeiros dias, teremos alguns activistas a casar para a televisão; depois, toda a gente arranjará mais que fazer. 

 

Desculpem o meu cepticismo. Mas parece-me que a possibilidade de um casamento só ter noivos ou noivas é pouco para começar ou acabar uma civilização. No fundo, estas “causas fracturantes” em Portugal têm menos a ver com a vida social do que com a vida política. Falamos do “casamento gay” porque o PCP e o BE querem entalar o PS e porque o PS não se quer deixar entalar e, já agora, quer entalar a direita. 

 

Os homossexuais entram nesta história como carne para canhão político. Basta pensar que entre os seus advogados, encontramos os comunistas, que criaram, nos países em que estiveram no poder, dos piores infernos do século XX para a homossexualidade (leiam as memórias de Reinaldo Arenas). Ou que o PS, para ficar de bem com toda a gente, não se importa de lhes dar com uma mão o casamento e com a outra, ao proibir adopções, a primeira discriminação legal. Com o devido respeito pelas boas almas a quem o caso excita, o que convém aqui ao cidadão é uma indiferença higiénica pelo que diz e faz uma classe política irremediavelmente cínica.

 

Publicado no Expresso, 9 de Janeiro de 2010.

 
25
Jan10

Um ano entre crises

Rui Ramos

Em Portugal, o ano de 2009 desenhou um percurso: da crise do sistema financeiro internacional à crise do sistema político doméstico, isto é, da crise que houve à crise que vai haver. 

 

A crise financeira.

 

O ano começou na ressaca da crise financeira internacional de 2008. Os esquerdistas mais exaltados anunciaram o fim do “liberalismo” e rebuscaram os caixotes de lixo da história à procura do “socialismo”. Parecia que o muro de Berlim, vinte anos depois, se tinha levantado outra vez. Mas a crise desenrolou-se de modo a frustrar toda essa expectativa ideológica. A crise, em 2009, provou que o Estado não é mais transparente nem mais disciplinado do que os mercados.

 

Ao longo do ano, o país teve três orçamentos (Novembro de 2008, Janeiro de 2009 e Dezembro de 2009). O governo prometeu inicialmente que Portugal ia ser poupado e que as contas públicas não seriam afectadas. O primeiro orçamento previa um crescimento económico de 0,6%, desemprego de 7,7%, défice equivalente a 2,2% do PIB e dívida pública a 66%. Não foi assim. No fim do ano, estimava-se para Portugal a maior retracção económica desde 1975 (3,7%), o desemprego mais alto de sempre (10,2%), o maior défice desde 1981 (8,5%) e uma dívida pública directa de 80%. 

 

Nos últimos meses de 2009, tratava-se de evitar a “bancarrota”, já não dos bancos, mas do Estado. Pior: as perspectivas de crescimento económico em Portugal mantiveram-se, como antes da crise, entre as mais baixas da economia europeia. Fatalmente, há-de voltar a falar-se em “reformas”. As eleições europeias de Junho já confirmaram o predomínio conservador a nível europeu. A viragem de página ideológica não se deu. Esse foi o mais importante facto político de 2009.

 

A crise política.

 

O milagre da multiplicação dos orçamentos serviu ao governo de José Sócrates para passar por três eleições ao longo do ano sem revelar a gravidade da situação financeira. Nem por isso, porém, as perspectivas pareceram inicialmente radiosas. No princípio de 2009, o caso Freeport quase tirou o tapete ao primeiro-ministro. A sequência eleitoral, porém, ajudou o governo. A derrota do PS na eleição europeia de Junho criou grandes expectativas às oposições, que logo se imaginaram a viver já o pós-socratismo. 

 

A aparente fragilidade do governo teve, no entanto, um efeito inesperado: transferiu a “arrogância” dos ministros para as oposições. O PSD convenceu-se de que, para ganhar, bastaria demonizar Sócrates. O BE acreditou que lhe era permitido propor um novo PREC. Ou seja: à esquerda e à direita, as oposições não souberam dar aos portugueses uma alternativa credível ao governo. Sócrates, pelo seu lado, corrigiu-se para a campanha eleitoral. Quase no fim, outro escândalo ajudou-o: o das “escutas” de Belém, que amolgou a instituição que tinha representado a verdadeira alternativa ao governo – a presidência da república. 

 

Em Setembro, o PS pode festejar uma derrota com sabor a vitória, enquanto as oposições tiveram de fingir que as suas vitórias não sabiam a derrota. Nas legislativas, o PS teve o pior resultado desde 1995 e perdeu a maioria, mas ficou à frente; nas autárquicas de Outubro, reforçou-se em Lisboa. Para as oposições, o aumento do número de deputados não compensou as frustrações: o PCP passou para último partido; o BE não chegou a terceiro, nem sequer conseguiu fazer maioria com o PS; e o PSD coleccionou a quarta derrota em cinco eleições legislativas desde 1995. Só ao CDS as legislativas correram bem, mas apenas para as autárquicas demonstraram a sua vulnerabilidade, tal como a do BE. O ano político de 2009 não deixou vencedores em pé. 

 

O ano começou com críticas à maioria absoluta, e acabou com lamentações sobre a maioria relativa. De facto, a política portuguesa entrou, em 2009, num terreno invulgar. O país viveu com maiorias absolutas em 21 dos últimos 30 anos. Os governos minoritários, como os de 1985-1987 e 1995-2001, coincidiram com épocas de prosperidade. A novidade é esta: Portugal tem um governo sem maioria e também sem dinheiro. 

 

Ficam muitas interrogações para 2010. Bastarão combinações parlamentares para assegurar a “governabilidade” num país em que governar tem sido sinónimo de fazer despesa? Arranjará a classe política, depois de arrastada na lama dos “casos” deste ano (BPN, Freeport, “escutas” de Belém, Face Oculta), autoridade para sujeitar os portugueses ao duche frio financeiro que gregos e irlandeses já se preparam para sofrer? 

 

Mais: em 2009, com juros baixos, inflação reduzida e o aumento de salários da função pública, a população empregada mal sentiu a crise, a não ser psicologicamente. O aperto, para a maioria, ainda está para chegar. O regime de partidos construído em 1974-1975 já resistiu a muita coisa. Aguentará outra vez? 

 

Publicado no Correio da Manhã

 

 

24
Jan10

A freira

Henrique Raposo

 

 

 

The Monopoly of Violence" (Faber and Faber) é a história de uma ninfomaníaca que se transforma numa freira. Passo a explicar este estranho enredo. James Sheehan conta aqui a história da relação da Europa com a guerra. Em 1900, as nações europeias tinham um ethos guerreiro. Coisa normal, diga-se: os Estados europeus foram feitos pela guerra, e os europeus conquistaram o mundo através da guerra. Porém, cem anos depois, descobrimos que a Europa é o único actor político que 'ilegalizou' a guerra. Não há memória de tamanha mudança de personalidade: a Europa de 1900, a ninfomaníaca belicista, deu lugar à Europa de 2000, a freira pacifista.

 

daqui

22
Jan10

A direita sexual

Henrique Raposo

Crónica do Expresso de sábado passado:

 

... Seja como for, uma coisa é certa: a nossa direita só age com convicção quando o assunto é a moral que rege o interior das quatro paredes. Para lá das quatro paredes, já no espaço da 'coisa pública', o PSD e CDS não se distinguem do PS. E, assim, a direita partidária acaba por ser uma espécie de anexo incompetente da Igreja Católica. Em 2010, devido à inoperância de PSD e CDS, a Igreja é a líder da direita portuguesa. O que é triste. A direita não se importa de viver num Estado e numa economia de esquerda, desde que as pessoas continuem a fazer amor de luz apagada.

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