O pronunciamento de Cavaco, e o fim do regime
1. Cavaco ontem fez aquilo que, no passado, se chamava "um pronunciamento". No passado, quando o país ainda não tinha bases constitucionais maduras, no passado, quando o país se divertia a fazer golpes de estado, um tipo chegava e dizia aquilo que Cavaco disse ontem: "aqueles tipos não são de confiança". Depois, esse tipo ficava à espera dos seus generais. Nunca chegava a haver guerra civil. Contavam-se apenas as armas. Se tivesse mais armas do que o outro, o tipo ganhava sem disparar um tiro. Cavaco abriu fogo. Deve ir à guerra sozinho. Até porque, estou desconfiado, já não tem generais no coldre.
2. O que isto tem que ver com a política constitucional, com o respeito pelas instituições? Nada. Políticos e jornalistas deram mais um tiro naquilo que já é um cadáver: a III República.
3. Só vejo uma coisa boa no meio desta merda (sim, merda) toda: são estas crises que levam as pessoas a perceber que é preciso mudar o regime, que é preciso refundar o regime, para que exista uma sensação de recomeço. Todos os regimes, de tempos a tempos, necessitam desse recomeço.
4. Isto não é assunto para divisões primárias entre esquerda e direita, isto não é assunto para barricadas, com a esquerda com Sócrates, e a direita com Cavaco. Isto é demasiado importante para isso. Está em causa algo superior ao "direita vs. esquerda".