Isto foi um debate?
I. Bom, eu adormeci no meio do debate. Foi um debate mesmo mau. Mau demais para ser verdade. Mais de metade do debate foi uma coisa para contabilistas. E eu não percebi nada. Sei que falaram da diferença entre “dívidas aos fornecedores” e “dívidas à banca”, mas não entendi nada. E, como eu, 99% das pessoas que fizeram o frete de ver isto também não entenderam.
Depois, no meio das contas, houve o habitual jogo do empurra das culpas, com Costa a dizer que a culpa é de Santana, e Santana a dizer que a culpa é de Costa. Isto, aliás, é a versão em miniatura do debate que existirá entre Sócrates e Ferreira Leite: só falarão do passado, com PS e PSD a jogarem as culpas para o colo um do outro. Não há ideias políticas concretas para o futuro. Só há ódiozinho pessoal direccionado ao passado.
Os lisboetas querem viver numa cidade onde os prédios não caiam, mas os candidatos falam das contas de 2004! E quando não falam das contas do passado, falam de outra coisa do passado: o túnel. Parece que estão a gozar com quem vive na cidade.
II. Como é que Santana e Costa conseguiram discutir Lisboa sem falar da porcaria de cão nos passeios, nas obras constantes nos passeios, nos passeios sem calçada, no lixo na rua? Como é que falaram de reabilitação urbana sem falar da malvada lei das rendas? Nunca haverá nova vida em Lisboa (ou no Porto, por ex.) enquanto não extinguirmos a jurássica lei das rendas que – basicamente – retirou a propriedade dos prédios aos senhorios. Sem isso nada feito. Eles sabem disso, e são desonestos ao retirar isso do debate.
III. Para se perceber como o debate foi mesmo mau, vejamos o que ficou por falar: mal se falou do aeroporto; mal se falou dos contentores de Alcântara; mal se falou da terceira ponte sobre o Tejo. E sinceramente não percebi as políticas dos candidatos para o trânsito. Mais: não se falou das “empresas municipais” que não passam de coutadas partidárias que vivem à conta do erário público. Ou seja, isto não foi um debate. Foi uma ocasião para assistir ao ódiozinho pessoal entre duas pessoas, que, por acaso, são políticos.
IV. Muita gente questiona-se sobre isto: “como é possível que alguém como o Santana ande ainda por aqui?”. Nunca percebo muito bem o que querem dizer com o “alguém como”. Presumo que se refiram à vida pessoal de Santana, ou ao feitio pessoal de Santana. Não sei nada sobre isso. Mas sei de uma coisa: a política portuguesa é isso mesmo: pessoalismo irritante, um concurso de “imagens” pessoais, onde a política – as ideias políticas – não existem. Neste sentido, Santana não é a excepção, mas sim a normalidade da política portuguesa. Santana irrita porque ele é a personificação da política portuguesa: um vaivém de impulsos pessoais, sem um pingo de ideais políticos. Uma política onde só existe ego, e ódiozinhos pessoais. Uma política sem política, portanto.