Carta de amor
A faixa escondida nas últimas páginas:
Caras mulheres portuguesas, andando pelo areal, aqui o sujeito tem reparado na grande aflição da pátria. Não, não falo da dívida. Falo, isso sim, do vosso ego, caras conterrâneas. Enquanto palmilham dunas e praias, Vossas Mercês queixam-se dos vossos mui generosos corpos. É o quadril que está a mais, é a coxa que é muito carnuda. Com o espírito científico de sempre, o sujeito tem olhado para aferir a veracidade da auto-crítica, mas, ora essa, não tem visto nada de mal. Vossas Mercês lá vão dizendo que estão muito gordas, bla bla, que têm as ancas mui roliças, bla bla, que têm demasiadas curvas. Minhas queridas, uma dica de amigo: there's no such thing as "demasiadas curvas". O vosso problema é que estão domesticadas pela pior das agências de rating: a cultura da indústria da moda, que impôs a magreza anoréctica e rectilínea como ideal de beleza. Neste estranho mundo, as mulheres carnais, as mulheres curvilíneas, enfim, as mulheres fellinianas foram banidas. Ora, rodeadas por um ar do tempo tão ossudo, as mulheres portuguesas acabam por se sentir como refugiadas fellinianas. Mas não deviam, minhas caras.
Quando eu era miúdo, não percebia muito bem por que razão as modelos eram tão magras, tão pouco sensuais, tão pouco mulheres. Como Vossas Mercês perceberão sem dificuldade, palitos com saias não são atraentes nem no deserto da Eritreia. Mais tarde (ou seja, ontem), acabei por desenvolver uma teoria altamente científica que explica, para além de qualquer dúvida, este vil apagamento da mulher-fêmea em favor da mulher-Olívia-Palito. A dita teoria, submetida a todos os critérios de falsificação, é bastante simples: a moda da mulher cadavérica, que tanto mal tem feito a Vossas Mercês, é uma espécie de mandamento dos estilistas gays. É isso mesmo, minhas caras. Sendo gays, os estilistas 'deserotizaram' a mulher. Aboliram as carnes marmóreas, ilegalizaram as ancas e os seios-que-desafiam-Newton. Caramba, ilegalizaram a mulher, sobretudo a mulher latina. O ideal de beleza passou a ser a adolescente esquelética da Islândia ou Noruega. Não, obrigado.
Depois desta mui científica desmontagem da conspiração gay a que estamos submetidos, espero que Vossas Mercês reconquistem o orgulho nas vossas mui lusitanas e generosas formas. E, já agora, espero que estejam atentas à rebelião das modelos roliças no mundo da moda. Aguentem o forte, porque o reinado das anorécticas lá do Norte está a terminar. As fellinianas regressarão ao poder. Esta agência de rating será nossa.