O Diário de Rentes, que venceu prémio da APE
I. No diário Tempo Contado, Rentes de Carvalho confessa a admiração por um romance de João Ubaldo Ribeiro: Sargento Getúlio, esse fabuloso retrato do sertão brasileiro feito através de um vertiginoso monólogo. Nesse livro, Ubaldo capta o vocabulário das gentes locais, e o dito monólogo é feito com esse vocabulário popular e até com os erros ortográficos e gramaticais. Rentes não tem esta ambição quase etnográfica de Ubaldo, mas também recupera um português antigo, um português telúrico que estava esquecido. Para a geração educada na americanização da linguagem (andar à porrada é bullying; trabalhar é networking), o português de Rentes é quase uma nova linguagem: "monturo", "vou-me a passear pela alameda", "pertinácia", "felizmente chegamos sem empeno", "amesendamos num restaurante", "dia cinzento como o de ontem, mas morrinha em vez de nevoeiro", "no quarto de banho ponho-lhe um esparadrapo","manhã gris, ventosa e tristonha".