A ditadura de Cunhal
pp. 197-199
(...) Em 1958, o saudoso Victor Cunha Rego escreveu esta coisa sem importância: nos meios intelectuais, "o grupo comunista" exibia "um nítido desejo de que a era do dr. Salazar não atinja o seu termo". Cunha Rego deu assim a entender que o PCP necessitava de Salazar, e a seguir explicou porquê. Nessa explicação, Cunha Rego foi profético em relação às ambições do PCP: "da ditadura da extrema-direita à ditadura da extrema-esquerda vai o salto de uma cobra". Cunha Rego tinha razão. Durante o PREC, Cunhal tentou implementar uma ditadura comunista. Esse projecto foi derrotado. Mas a derrota da ditadura política de Cunhal não pode desviar a nossa atenção da ditadura cultural que o PCP impôs ao meio intelectual português durante décadas. E essa ditadura intelectual assentava numa chantagem mui simples: "se não estão connosco, estão com Salazar". Com raríssimas excepções, esta chantagem foi muito eficaz durante décadas, antes e depois do 25 de Abril.
Como já foi dito, poucos conseguiram furar este bloqueio comunista. Uma dessas excepções dá pelo nome de O Tempo e o Modo, a revista dos católicos progressistas, liderada por Alçada Baptista e João Bénard da Costa. Gerando enorme polémica nos meios intelectuais (sempre dominados pelo PCP), a O Tempo e o Modo desarmadilhou a chantagem do PCP. Bénard e Alçada protegeram os intelectuais que viviam encurralados entre as duas ditaduras, a ditadura política de Salazar e a ditadura intelectual de Cunhal. Nessa livre e frágil terra de ninguém, situada entre duas paredes autoritárias, a revista deu asas a figuras como Agustina, Sophia, Sena, Lourenço, etc., uma geração de intelectuais que, segundo Vasco Pulido Valente, "rejeitava simultaneamente a ditadura, o velho republicanismo jacobino e o PC". Por outras palavras, estes intelectuais recusaram submeter-se à chantagem do PCP. Como defensores da liberdade, sabiam que Cunhal era tão autoritário como Salazar.