Os deuses de Shyamalan
1. O "Acontecimento" é um pequeno grande filme. Fez-me lembrar "A Pantera" do Jacques Tourneur, devido à forma como induz o medo. Nunca vemos a causa do medo; só vemos os efeitos do medo nas personagens. O vírus das árvores (não dos porcos) não tem rosto, naturalmente.
2. Eu adoro Shyamalan, porque este realizador adora recriar atmosferas religiosas. "Sinais" segue à risca a primeira regra de qualquer crente: não existem coincidências. Em "Sinais", Deus existe para dar ordem a todos os actos dos homens; no final de "Sinais", ficamos aliviados, porque, apesar do sofrimento, existe uma ordem arquitectada por um ser superior, uma ordem na qual nós encontramos um lugar seguro. E encontramos esse lugar seguro quando descobrimos que não existem coincidências.
Em "O Acontecimento", nada disso acontece. Aliás, "O Acontecimento" é o anti-"Sinais". Deus aparece aqui como um ser violento e vingador, que fustiga o mundo dos homens. O Deus de "Acontecimento" é um Deus que destrói a ordem construída em "Sinais". As personagens estão perante algo que não compreendem; sentem que estão a ser castigadas por uma força superior. E, no final do filme, não sentimos o conforto de "Sinais", mas sim um enorme desconforto apocalíptico. Mas, paradoxalmente (ou talvez não), este filme acaba por ser mais religioso: perante aquele acontecimento incompreensível, os homens só podem pensar o seguinte "perante isto, tem de haver um diabo e um deus". Sendo um pouco ímpio, diria que Shyamalan filma aqui o início da religiosidade, um início marcado pelo medo perante aquilo que não compreendemos.
3. Bom, é isso, ou Shyamalan quis apenas fazer a sua versão do Apocalipse prometido pela Greenpeace. Ou, então, só quis brincar com o espectador, fazendo medo. Na verdade, até gosto mais desta última explicação.