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Clube das Repúblicas Mortas

Clube das Repúblicas Mortas

28
Fev13

A família e os anos 80

Henrique Raposo

pp. 15-17

 

Como sabem, está na moda a nostalgia pelos anos 80. E, aleluia, eu sou um fervoroso praticante desse culto, que elevou Vera Roquette à condição de suma sacerdotisa. Hoje em dia, as conversas dos trintões começam com uma reza no altar do Agora Escolha e acabam no campeonato dos desenhos animados dos 80: há os fanáticos do Era uma Vez no Espaço, os aficionados do Maravilhosas Cidades do Oiro, etc. Pois muito bem, esta nostalgia pelos 80 dá prazer, dá aquela gostosa pele de galinha, mas, com a vossa permissão, eu gostava de falar de outra coisa: não da nostalgia, mas da pedagogia dos anos 80.

Meus caros, aquele era um tempo difícil. No Natal, eu recebia um presente: um Playmobil, ou um Lego, ou um livro. Naquele tempo, não trocávamos apenas cromos, também trocávamos roupa. Lembro-me de uma camisola "de marca" que passou por várias camadas de primos (aquela bendita camisola azul comprada em 1983 sobreviveu à música dos Roxette e à queda da URSS). Depois, as famosas sapatilhas Sanjo tinham de durar, pelo menos, dois anos (as Sanjo só têm mística se forem velhas e remendadas). Bom, como podem ver, estes eram tempos difíceis, mas também eram tempos realistas. Em 1987, os portugueses não se comportavam como se tivessem um cartão de crédito holandês na carteira. E, acima de tudo, aquele era um tempo de trabalho. Eu fui educado numa premissa que cruzou a dureza alentejana com uma espécie de calvinismo tuga: "ou estudas ou vais trabalhar; ou estudas para entrares para a faculdade ou vais aprender um ofício". Meus caros, era assim a pedagogia dos 80: realismo e uma ética de trabalho que estava ligada a uma forte irmandade familiar. Tínhamos os pés no chão e trabalhávamos para subirmos na vida. Portugal - é bom relembrar - crescia a taxas asiáticas naquela época.

Mas, nos entretantos, o país perdeu esta garra que me educou. Os portugueses tornaram-se escravos dos direitos e do consumo, desligaram-se do trabalho e do espírito de sacrifício. Não por acaso, esta semana ficámos a saber que 300 mil jovens portugueses não estudam nem trabalham. E isto sucede num país onde metade das ofertas de trabalho fica sem resposta. Não me lixem, meus caros: estes dados revelam um país numa profunda crise moral. Aliás, esta silenciosa crise de valores é uma das causas da omnipresente crise económica. Se eu tivesse deixado a escola, meus caros, o meu pai teria sido o primeiro a desencantar um trabalho para mim. Porque não trabalhar era uma vergonha. Hoje, parece que ir trabalhar é que é a vergonha. Não trabalhar ascendeu ao estatuto de cool. Portanto, se não se importam, a par da nostalgia, vamos lá recuperar a pedagogia dos anos 80.
28
Fev13

Da estupidez marcelista

Henrique Raposo

Não sei o que é mais patético: Marcelo Rebelo de Sousa comentar a política do país da mesma forma que Rui Santos comenta a jornada, ou a forma como o jornalismo aceita este tipo de comentário do "Professor"; um tipo de comentário que que reduz a política a um mero jogo de tácticas. É um jogo, e ele ri. Nada mudou, nem vai mudar.

26
Fev13

Da dignidade institucional

Henrique Raposo

 


Freeport e o excepcionalismo português

O caso Freeport tem revelado a típica fragilidade portuguesa perante os escândalos de corrupção. E esta fragilidade mui lusa tem duas faces.

Em primeiro lugar, os portugueses falam dos escândalos nacionais como se Portugal fosse o único país do mundo com corruptos. A pátria adora falar assim: "isto cá é uma vergonha; se fosse lá fora eles iam ver como era!". Este "lá fora" é uma entidade mítica, uma entidade civilizada que aparece em oposição ao incivilizado "cá dentro". Na mente portuguesa, o mundo divide-se assim em duas esferas: nós, as bestas lusitanas versus eles, os estrangeiros perfeitos. Por outras palavras, temos um excepcionalismo mui especial. O excepcionalismo americano, por exemplo, acha que o seu "cá dentro" (EUA) vai salvar o "lá fora". Para o excepcionalismo francês, o "lá fora" é um sítio obscuro à espera da luz francesa. Portugal é o absoluto contrário desta inclinação. Nós temos um excepcionalismo invertido: para o português, Portugal é a única distopia corrupta do mundo, e os restantes países são altivas Camelots.

Em segundo lugar, os portugueses têm uma capacidade ímpar para desprezar as regras institucionais que estão a montante do combate à corrupção, logo, não mudam essas regras no sentido de tornar a corrupção mais difícil. Há escândalos na Suécia, Inglaterra, Japão, EUA, França, etc. Uma sociedade sem escândalos não é uma sociedade livre. A inexistência de escândalos é uma marca das ditaduras, onde tudo é encoberto em nome do bom nome dos líderes. Mais: nas outras democracias, também existem pressões políticas sobre a justiça. Nenhuma democracia é habitada por anjos despressurizados. Portanto, a especificidade portuguesa não é a suposta predisposição da raça para a corrupção, mas sim a fraqueza institucional da III República. Nos EUA, há corruptos e pressões, e, por isso, um juiz do Supremo Tribunal não pode saltar para o poder executivo. Em Portugal, há corruptos e pressões, mas um juiz do Tribunal Constitucional (TC) pode ingressar no Governo.

Tudo isto para dizer o seguinte: nas últimas semanas, ninguém falou do caso Rui Pereira. Ninguém deu destaque ao facto de um ministro ser um ex-juiz do TC. Ora, quando observamos um país onde um juiz passa a ministro perante a passividade geral, podemos dizer que esse país acha normal a existência de pressões políticas sobre a justiça. Porque - atenção - uma pressão política sobre procuradores é brincadeirinha quando comparada com o salto de um juiz para o Governo. Os portugueses não dizem nada sobre o caso Rui Pereira, e depois acham estranho a promiscuidade entre partidos e justiça?

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